Por que há poucos escritores de ficção no brasil?

Minha intenção é falar sobre as razões pelas quais temos poucos bons escritores no Brasil, ao contrário de outros países, e como se forma um bom escritor de ficção. Talvez, com isso, possamos ajudar a formar mais escritores, pois os talentos certamente estão por aí, só precisam ser despertados e lapidados.

O primeiro pensamento que me vem a mente, ao escrever sobre isso, é que a literatura brasileira geralmente foi associada aos escritores clássicos do século 19 (e início do 20) e que transmitia a ideia de uma literatura “pesada”, muito erudita, de difícil leitura. Isso, talvez, tenha desanimado muitos escritores a começar a escrever. Porém, deve ser dito que a literatura dos séculos passados era apenas aquilo que as próprias épocas exigiam. Há excelentes literaturas no passado do Brasil (e também no presente). Mas, por vezes, especialmente nos cursos de letras, se passa a impressão de que apenas aquela literatura mais “erudita” e “pesada” é digna de admiração, e que as demais manifestações literárias são “pobres” e “simplistas”. 

Lembro das caras estranhas que vi, numa apresentação que fiz durante o meu doutorado em letras, em que mostrei um texto de Tolkien, aquele em que Galdalf detém o Balrog diante da ponte de Khazad-Dûm, nas minas abandonadas dos anões. Procurei mostrar os detalhes literários impressionantes da cena, mas a maioria dos colegas, especialmente os que estavam começando o mestrado, olhavam para o texto com um ar de superioridade, mesmo sem nunca ter, provavelmente, lido. Nenhum deles podia imaginar a profundidade literária daquele texto, o modo como se relaciona com outros textos, numa impressionante intertextualidade (e também intratextualidade, pois há um interessante diálogo interno na obra de Tolkien nesse ponto), porém, aqueles estudantes de mestrado não estavam preparados para ver. E como futuros professores, provavelmente, manterão muitos alunos ainda nessa mesma escuridão.

Talvez, o começo seja realmente parar de dizer que somente essa ou aquela literatura é a “autorizada”, ou “canônica”, e ser mais aberto para outras formas, desde que, é claro, sejam formas talentosas e ricas. Vale a pena arriscar, tentar produzir algo, mesmo que os outros torçam o nariz. Ficção fantástica pode ser um modo muito interessante de expressão literária.

O segundo pensamento que me ocorre é que, ao que parece, brasileiros não gostam de ler autores brasileiros. Da metade do século 20 em diante, se criou uma cultura no Brasil: a de dizer que tudo o que vem de fora é melhor. Preciso reconhecer que há muitos textos ruim no Brasil, mas lá fora também há.

Mas antes de continuar, é preciso fazer uma ressalva: muitos brasileiros gostam de ler autores brasileiros. Porém, principalmente nessa área da fantasia, não são muitos os autores lidos. Talvez, porque, o movimento do “fantástico” nos Estados Unidos e Europa seja tão forte e estabelecido (impulsionado inclusive pelos filmes de Hollywood), que parece não sobrar espaço para outro lugar produzir esse tipo de literatura. Isso acontece no cinema também. Raramente há um filme brasileiro que faça sucesso no Brasil. Claro que, em relação ao cinema, existe a questão financeira, pois para se produzir um bom filme, geralmente se precisa de muito dinheiro. Realmente não dá para competir com Hollywood nessa área. Mas no que diz respeito aos livros, um escritor produz, independente de recursos financeiros. Tendo um computador (ou no mínimo lápis e papel), e uma boa ideia na cabeça, dá para fazer muito. Portanto, é possível escrever boas ficções aqui no Brasil. E se os leitores começarem a “dar uma chance” para os escritores brasileiros, logo talvez percebam que estavam enganados. Sem falar que assim, ajudarão a despertar mais escritores.

E, finalmente, preciso falar sobre o tempo. Não se forma um escritor talentoso da noite para o dia. Isso é um fato. Mas é diferente para qualquer área da vida? Forma-se um bom advogado ou médico da noite para o dia? Os bons profissionais precisam se dedicar muito aos estudos e, depois, ao trabalho que realizam. Precisam ser espíritos inquietos sempre em busca de algo novo, tentando estar um passo adiante do que já foi trilhado. Veja que acima eu falei em formar um “escritor talentoso”. Usei essa palavra de propósito, para quebrar a ideia de que o talento basta por si mesmo. É claro que é preciso talento para ser um escritor, assim como é preciso talento para exercer outras artes, porém é o treinamento, a persistência e o ciclo tentativa-erro-acerto o que fará com que o talento se torne algo substancial. O caminho de se tornar um escritor é árduo e não será alcançado (salvo em raríssimas exceções) como num passe de mágica. Um texto para se tornar bom precisa ser escrito e reescrito diversas vezes. Um escritor para se tornar bom precisa escrever muito, e o tempo melhorará seus textos como faz com o bom vinho.

L. L. Wurlitzer